Entrevista concedida por Anand à coluna esportiva do The Guardian chamada “Small Talk” [conversa fiada], dias antes do início do London Chess Classic, em dezembro.Foto publicada pelo Guardian, possivelmente de mais de 10 anos atrás.Como é estar de volta ao London Chess Classic?
Anand: É excelente. Eu gosto muito mesmo deste torneio. É a grande vitrine do xadrez no Reino Unido e tem ainda o propósito louvável de incentivar o xadrez nas escolas.
E quando as crianças que se interessam por xadrez perguntam como podem se tornar mestres, o que você diz a elas?
Que continuem jogando regularmente. Os conteúdos se relacionam somente quando são aplicados no tabuleiro. É mais ou menos como aprender uma língua; é bom ler um livro, mas só quando falamos com alguém é que as peças começam a se encaixar.
Quando você está se preparando para torneios grandes, como o London Classic, quantas horas por dia você se dedica?
O tanto quanto preciso – até 10 horas, se necessário – mais duas ou três horas durante o torneio.
E como você se prepara fisicamente?
Majoritariamente com corridas e musculação. Serve principalmente para se aliviar da tensão e dormir bem.
Parece estranho perguntar tal coisa a um campeão mundial de xadrez, mas quanto peso você consegue puxar?
Eu uso máquinas que trabalham de 10 a 12 grupos musculares. Bíceps, tricepes, alguns músculos das costas, calves, ombros e por aí vai – então vou pra esteira, crosstrainer ou mountain climber.
O campeão mundial soviético Mikhail Botvinnik costumava usar parceiros de treinamento que propositalmente sopravam fumaça em seu rosto para se preparar contra adversários que poderiam tentar desestabilizá-lo. Tem algo que você faz para preparar contra truques psicológicos ou artimanhas?
Não, mas quando fumar era permitido eu realmente detestava. Ainda bem que isso foi banido há uns vinte anos.
Quais adversários foram mais difíceis neste sentido?
[pausa longa] Bem, eu tive confrontos difíceis com Gata Kamsky e Garry Kasparov nos anos 90. Eles eram intensos em termos psicológicos e eu ainda era inexperiente.
E como era ter um Kasparov, em seu auge, te encarando?
Bem, é desconfortável – primeiro porque ele faz bons lances e ainda por cima também tinha toda a pressão que ele criava. Mas o que fazia o Kasparov perigoso eram seus lances, mesmo. Se ele fizesse caretas e jogasse lances ruins nós iríamos rir dele. Nos dias de hoje, acho que pode-se acabar supervalorizando esse efeito psicológico.
Você é bom em perceber os ‘tells’ dos seus adversários?
[“tells” é uma expressão inglesa, muito utilizada no poker, que se refere às “dicas” ou “pistas” sobre o que se está pensando transmitidas pela expressão corporal, facial, etc. – N.T.]
Não dá pra dizer que posso ler suas mentes, mas geralmente consigo perceber em que direção estão indo seus pensamentos. Geralmente sua respiração é um sinal claro. Às vezes o adversário para de respirar e você percebe que algo crítico lhe passou pela cabeça e eles estão tentando não deixar transparecer. Ou eles ficam quietos, ou ficam agitados. Depois de um tempo você acumula essas coisas e fica mais atento.
Anand e John Nunn, durante o London ClassicA BBC está atualmente apresentando o documentário “Bobby Fischer, gênio e louco”. Você se encontrou com Fischer em 2006, um par de anos antes de ele morrer. Como ele era?
Achei ele surpreendentemente normal. Bem, pelo menos não tão tenso. Ele parecia aliviado por estar na companhia de jogadores de xadrez. Ele era calmo neste sentido. Mas ele também ficava um pouco preocupado com pessoas seguindo ele, a paranoia nunca o deixava. Eu fico muito feliz de tê-lo encontrado antes de sua morte em 2008. Foi estranho, também, porque eu ficava me lembrando que era Bobby Fischer sentado à minha frente!
Você ficou tentado a sacar um tabuleiro de bolso e desafiá-lo a algumas partidas de relâmpago?
Não, porque ele sacou o seu próprio tabuleiro de bolso primeiro e nós começamos a analisar algumas partidas recentes que eu havia jogado.
Sério?
Sim, mostrei a ele algumas partidas minhas de Wijk Aan Zee e tentei compartilhar alguns raciocínios interessantes. De alguma forma ele era capaz de acompanhar tudo – ele não havia perdido a habilidade – mas seus métodos eram um pouco antiquados. Nesse sentido ele estava ultrapassado.
O que você quer dizer com isso?
Bem, ele tinha algumas sugestões, e até chegava perto... mas quando eu dizia pra ele que o computador achava que as brancas estavam ganhando, pra mim era um sinal que encerrar por ali e partir pra próxima – mas pra ele era o ponto de partida para uma discussão! [risos]. Eu achei difícil dizer pra ele “não, não, não – esses computadores são fortes mesmo, você não deveria argumentar com eles!”
Se você pudesse voltar no tempo, qual campeão mundial você gostaria mais de ter enfrentando em seu auge?
Mikhail Tal ou Bobby Fischer. Como eu me sairia? Bem, isso depende se a máquina me largaria em 1960 ou 1972 ou se ela traria Tal e Fischer até 2011. Isso faria uma grande diferença.
Ok. Vamos às perguntas importantes. Você é fã de Monty Python, não é?
[Monty Python é um seriado britânico de humor, considerado o ícone do humor do absurdo – N.T.]
Sim, muito.
Você tem alguma esquete favorita?
Eu tenho algumas. Tem a Parrot Sketch e Michelangelo and the Pope. E tem também um em que uns Nazistas estão num hotel inglês. É muito divertido.
E sua adoração por Python se estende a Fawlty Towers e Life of Brian?
[Fawlty Towers é um seriado britânico de humor, da década de 70, que se passa em um hotel; Life of Brian é um filme dos Monty Python, realizado em 1979 – N.T.]
Absolutamente. Assisti a todos eles. De Fawlty Towers eu posso até te contar episódios inteiros.
Mesmo?
Sim, acho que sim. Eu também assisti a todos os episódios de Yes Minister, e no ano passado eu assisti à sua peça de teatro, que foi atualizada com os temas sobre crise financeira e tráfico de pessoas, entre outros. [Yes Minister é outro seriado humorístico britânico, da década de 80 – N.T.]
Em sua partida contra AronianVocê é fã de cricket?
Não muito. Mas na Índia você assiste a isso todos os dias de qualquer maneira.
Qual foi o último álbum que você comprou?
Mylo Xyloto, do Coldplay. Já estou virando ouvinte habitual deles. Gosto de U2 também.
E o último livro que você leu?
Um sobre o Steve Jobs que foi publicado depois de sua morte.
Certo, agora vamos à umas perguntas do pessoal do Twitter. Benonix pergunta se é inevitável que grandes mestres entrem em declínio após os 40 – e também por quanto tempo você pensa que poderá permanecer no topo.
Grandes mestres declinam com a idade. É fato. Não há nada especial sobre os 40, mas eventualmente a idade se faz pesar. Isso é bem claro. A questão é quanto tempo você consegue driblar os efeitos e compensá-los. Erros vão ser mais frequentes, mas você tenta compensá-los com a experiência e trabalho duro.
Figgmeister twitou: “eu gostaria de saber o que você pensa sobre o ensaio de moda que o Carlsen fez. Isso é legal pra um mestre de xadrez”?
Com certeza. Eu achei brilhante. E certamente melhorou a imagem do xadrez.
Você lê livros ou gasta mais tempo garimpando databases?
Eu leio. Neste momento estou lendo sobre as melhores partidas do meu próximo adversário pelo título mundial, Boris Gelfand. Ele será um adversário muito difícil porque é muito experiente.
Você se tornou pai recentemente. Como é a experiência?
[visivelmente emocionado] É incrível. Pela primeira vez comecei a entender meus pais, também. É uma experiência que realmente muda sua vida. Estou extasiado. Ele tem oito meses agora e está começando a ficar de pé e balbuciar algumas palavras.
Houve alguma época em que você alternou entre trocas de fraldas e sessões com o Rybka?
Sim, eu tive a minha cota de levantar às 2 da madrugada, mas em geral minha esposa é que ficou com a maior parte do trabalho.
Bollywood ou Hollywood?
Prefiro os filmes de Hollywood.
Quem ou o que você colocaria no quarto 101?
[Referência ao livro “1984” de George Orwell, virou nome de programa de televisão no Reino Unido, onde celebridades mandavam seus desafetos para o “quarto 101”]
Perdão?
(Segue uma longa e digressiva explicação detalhando o conceito)
Ah, sim. Acho que tráfico. E corrupção na Índia, que é um problemão.
Falando em Índia, você esteve lá no ano passado para um jantar com Barack Obama. Como foi isso?
Bem, eu não estava sentado em sua mesa, então falamos apenas por alguns minutos.
Vocês falaram sobre xadrez ou sobre a política externa dos EUA? [risos]
Não houve tempo! Só tivemos conversa fiada...
Bem, somos experts no assunto, Vishy. Obrigado pela atenção, e boa sorte em Londres.
Eu que agradeço. Foi um prazer.
Fonte:http://www.cxf.com.br
Fonte da Matéria original: The Guardian