Os benefícios do jogo de xadrez no ensino
da Matemática
Franciclebe Bezerra Silva
(franciclebergen@hotmail.com)
Graduando do VIII Período do curso de Licenciatura em Matemática
Orientadora: Profa Maria do Rosário de F. de A. Sá Barreto dos Santos
Resumo
Neste artigo, procede-se inicialmente a uma revisão bibliográfica referente ao ensino da Matemática, em que foram registradas reflexões acerca da relação entre as concepções dessa ciência enquanto disciplina do currículo escolar e as práticas pedagógicas decorrentes dessas concepções. A seguir, foram enfocados os estudos acerca dos benefícios trazidos pelo jogo de xadrez ao ensino da Matemática. A partir desses estudos, constatou-se que, por desenvolver habilidades – como concentração, memorização, abstração, análise e síntese –, fundamentais à construção do conhecimento matemático, a prática do xadrez tem facilitado o ensino dessa disciplina.
Palavras-chave: ensino da matemática; jogo de xadrez.
Introdução
O desejo de engajar-nos nas discussões acerca de metodologias relativas ao ensino da matemática levou-nos a leituras de estudos acerca desse tema.
Há muito tempo, vem-se discutindo sobre os resultados de modelos de ensino centrados na memorização, na transmissão de conteúdos. Como o novo sempre assusta, a maioria dos professores opta pelo “certo”, pelo tradicional. Assim, ainda são poucas as experiências pedagógicas que adotam o lúdico, que se voltam para uma aprendizagem integral construída com prazer. Como nos alerta Morin (2004), um dos grandes problemas de nosso tempo é a visão quase sempre parcial que temos da realidade. Para esse autor,
Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. Em tal situação, tornam-se invisíveis: os conjuntos complexos; as interações e retroações entre partes e todo; as entidades multidimensionais; os problemas essenciais. (MORIN, 2004, p.13)
Recorrendo à história da ciência, observamos que, nos últimos séculos, por conta da vitória do racionalismo, apegamo-nos à parte e valorizamos a especialização. Morin (2004, p.13) entende que “a hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui)”. Essa forma de desvendar os mistérios do mundo tem limitado nossa visão, uma vez que passamos a ver tudo em fragmentos. Ora, continua Morin (2004, p.14),
os problemas essenciais nunca são parceláveis, e os problemas globais são cada vez mais essenciais. Além disso, todos os problemas particulares só podem ser posicionados e pensados corretamente em seus contextos; e o próprio contexto desses problemas deve ser posicionado, cada vez mais, no contexto planetário. Ao mesmo tempo, o retalhamento das disciplinas torna impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo.
Em decorrência dessa visão fragmentada, um dos grandes desafios do educador no mundo contemporâneo é formar estudantes a partir de uma perspectiva integral. Por integral entendemos o estudo do mundo como um todo, não como concebe o especialista que se atém à parte, ao fragmento.
Tendo isso em vista, enfocaremos neste artigo os benefícios do lúdico no ensino da Matemática, especialmente os benefícios do jogo de xadrez para o desenvolvimento de habilidades fundamentais à construção do conhecimento matemático.
O ensino da Matemática
Segundo D’Ambrosio (1989), as discussões referentes ao ensino da matemática implicam reflexões acerca da concepção que se precisa adotar sobre a matemática escolar. Isso porque, conforme essa pesquisadora, a aula de matemática, tanto no Ensino fundamental como no Médio, tem sido, com raras exceções, expositiva, baseada na seleção de conteúdos vistos como importantes. De um lado, tem-se, então, o professor que registra na lousa o assunto e, de outro, o estudante que transcreve esse assunto no caderno. A seguir, o professor propõe exercícios de aplicação que são, na verdade, uma réplica da aplicação de um modelo sugerido por ele. Essa prática, conforme denuncia D’Ambrosio (1989), advém de uma concepção de ensino: um processo de transmissão de conhecimento.
Isso nos remete à concepção bancária de educação que, segundo Paulo Freire (1974, apud GADOTTI, 1987, p.29), se fundamenta na ideia de que, na sala de aula, há papeis bem definidos:
“o educador é o que sabe, os educandos os que não sabem; o educador é o que pensa e os educandos os pensados; o educador é o que diz a palavra e os educandos os que escutam docilmente; o educador é o que opta e prescreve sua opção e os educandos os que seguem a prescrição; o educador escolhe o conteúdo programático e os educandos jamais são ouvidos nessa escolha e se acomodam a ela; (...) o educador é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos”.
Por isso, Freire entende essa concepção de educação como aquela em que o conteúdo é “depositado”; o saber, uma doação dos que o detêm aos que nada sabem. Segundo Gadotti (1987, p.29), “a educação bancária tem por finalidade manter a divisão entre os que sabem e os que não sabem, entre os oprimidos e os opressores”.
Em decorrência dessa forma de conceber o ensino da Matemática, continua D’Ambrosio (1989), o estudante crê estar aprendendo essa ciência quando memoriza fórmulas e algoritmos, quando segue e aplica regras. Além disso, lembra essa pesquisadora, o estudante acredita ser a Matemática “um corpo de conceitos verdadeiros e estáticos, do qual não se duvida ou se questiona” (D’AMBROSIO, 1989, p.15), pois foram criados por gênios. Consequentemente, o aprendiz deixa de acreditar na própria intuição matemática e, muitas vezes, desiste de resolver um problema matemático por não ter ainda estudado o assunto que traria a solução de tal questão.
Os docentes que abraçam essa concepção de ensino creem na eficácia do treinamento, ou seja, defendem a tese de que a aprendizagem se realizará mediante grande quantidade de exercícios, pois concebem “a matemática como um corpo de conhecimentos acabado e polido” (D’AMBROSIO, 1989, p.16). Dessa forma, o educando nada cria e assume o papel de objeto na aprendizagem, ou seja, é um sujeito paciente.
Os que adotam essa concepção de ensino da Matemática preocupam-se com a quantidade dos conteúdos a serem transmitidos e não com a criação de situações em que os estudantes sejam levados a investigar, explorar, descobrir. Isso, para muitos professores, é tarefa maior que cabe a pesquisadores, cientistas.
Ora, se os problemas decorrentes dessa concepção de ensino da Matemática já foram exaustivamente apontados, é necessário que se revejam tanto as concepções dos estudantes como dos professores sobre a natureza dessa ciência. D’Ambrosio (1989) propõe então práticas pedagógicas que coloquem o aprendiz como centro do processo educacional. Assim, o estudante passaria a ser visto como sujeito do processo de construção do conhecimento, e o professor, como orientador.
Dentre as propostas metodológicas oriundas de uma educação problematizadora (FREIRE, 1974, apud GADOTTI, 1987), fundada na relação dialógico-dialética entre educador e educando, optamos por apresentar a que se refere à inserção do jogo lúdico no ensino da matemática.
Segundo D’Ambrosio (1989), há grupos de pesquisa que vêm propondo jogos matemáticos como forma de contemplar a dimensão lúdica da prática pedagógica, desenvolvendo aspectos do pensamento matemático, como o lógico-matemático e o espacial. Esses jogos, além de promoverem o desenvolvimento desses dois tipos de raciocínio, trabalham a estimativa e o cálculo mental. Crê-se, conforme defende D’Ambrosio (1989, p.18), “que no processo de desenvolvimento de estratégias de jogo, o aluno envolve-se com o levantamento de hipóteses e conjeturas, aspecto fundamental no desenvolvimento do pensamento científico, inclusive matemático”. De acordo com essas acepções, propõe-se o xadrez como jogo lúdico participante do processo de desenvolvimento de habilidades cognitivas.
O jogo de xadrez no ensino da Matemática
O xadrez, sendo um jogo milenar, sofreu várias transformações ao longo dos séculos até chegar à forma atual, pois teve várias influências das mais diversas culturas. A origem dele é desconhecida. Alguns atribuem a criação do jogo de xadrez ao rei Salomão; outros dizem que foi criado pelos sábios mandarins contemporâneos de Confúcio. Há ainda quem afirme ser esse jogo oriundo do Egito. O que se tem é o fato de o documento mais antigo – aproximadamente 3000 a.C. – ser a pintura mural da câmara mortuária de Mera, em Sakarah, nos arredores de Gizé, Egito. Essa pintura traz a imagem de duas pessoas jogando xadrez.
Alguns apaixonados por esse esporte acreditam que o berço dele foi a Índia, onde ele teria surgido por volta do século IV a.C., derivado de um antiguíssimo jogo hindu conhecido como Chaturanga, nome que
significa “exército formado por quatro membros”. Pela representação desses membros sobre o tabuleiro de xadrez como elefantes, cavalos, carros e soldados a pé (Bispos, Cavalos, Torres e Peões), podemos fazer certas especulações quanto à idade provável do xadrez. O exército indiano foi formado pelos quatro membros mencionados até a invasão da Índia por Alexandre, o Grande, no ano 326 a.C. Nessa ocasião, os carros falharam completamente e logo se tornaram obsoletos. Como o carro estava ainda incluído entre as peças do chaturanga, pode-se razoavelmente admitir que o jogo data do século IV a.C. (LASKER, 1999, p.31).
Tendo vindo do rei Salomão, dos sábios mandarins, dos egípcios ou dos hindus, não se pode negar a importância da aprendizagem e da prática desse jogo na infância e na adolescência, pois essa importância vem sendo comprovada por inúmeras pesquisas realizadas tanto em países desenvolvidos como em nações em desenvolvimento.
Segundo Piaget (apud CHRISTOFOLETTI, 2005, p.1),
“os primeiros jogos com os quais a criança tem contato são os chamados jogos de exercício. A transição dos jogos de exercício para os simbólicos marca o início de percepção de representações exteriores e a reprodução de um esquema sensório-motor. Pode-se dizer que o jogo simbólico exercita a imaginação.”
No caso do jogo de xadrez, há que se considerar que ele desenvolve habilidades importantes, como concentração, atenção, paciência, análise e síntese, imaginação, criatividade. Também estimula a abstração, uma vez que uma partida de xadrez é planejada, ou seja, desenvolve-se na mente do jogador. Todas essas habilidades são de fundamental importância para a construção do conhecimento matemático.
Há que se ressaltar, ainda, que na prática do xadrez os jogadores precisam
“anotar as partidas realizadas, para que, ao término da partida, seja feita uma análise dos lances executados. A anotação algébrica parte do pressuposto de que todas as casas do tabuleiro sejam nomeadas com letras e números, podendo ser comparado ao plano cartesiano, no qual as crianças devem localizar, nas retas, as coordenadas e marcar os pontos”. (CHRISTOFOLETTI, 2005, p.2).
Também é importante lembrar que qualquer um pode jogar xadrez, pois
a construção e a utilização do conhecimento matemático não são feitas apenas por matemáticos, cientistas ou engenheiros, mas, de formas diferenciadas, por todos os grupos socioculturais, que desenvolvem e utilizam habilidades para contar, localizar, medir, desenhar, representar, jogar e explicar, em função de suas necessidades e interesses. Valorizar esse saber matemático cultural e aproximá-lo do saber escolar em que o aluno está inserido é de fundamental importância para o processo de ensino e aprendizagem. (PCN. 1996, p. 32-33)
Além disso, conforme Christofoletti (2005), o xadrez pode contribuir muito com o estudo da análise combinatória e do cálculo de probabilidades. Isso porque, durante a partida, é necessário que o jogador calcule exatamente a manobra que realizará com suas peças. Assim, lhe será possível optar pelo caminho mais rápido e eficaz, e fazer a jogada com sucesso. O jogador precisa ainda estar atento às prováveis jogadas do adversário, pois, dessa forma, saberá qual o melhor lance a ser realizado, ou seja, antecipa a jogada do oponente.
A fim de fundamentar cientificamente essas reflexões acerca dos benefícios do jogo de xadrez no ensino da Matemática, Christofoletti (2005) observou o desempenho de crianças que nunca haviam jogado xadrez e estavam fazendo isso pela primeira vez. A pesquisadora em enfoque desenvolveu esse estudo a partir de uma pesquisa exploratória, na qual utilizou a observação como instrumento para a coleta de dados.
Antes, contudo, de iniciar a pesquisa, foi promovido um curso de xadrez para iniciantes. Os estudantes contemplados com esse curso foram 26 (vinte e seis) crianças da 2ª série do Ensino Fundamental, ou seja, na faixa etária de 8 (oito) e 9 (nove) anos.
Oferecido como disciplina extracurricular, matricularam-se no curso de xadrez apenas as crianças que estavam interessadas em aprender esse jogo. As aulas, com duração de uma hora, foram ministradas duas vezes por semana.
A pesquisadora observou, durante 5 (cinco) meses consecutivos, a evolução desses alunos durante as aulas do curso, assim como a possível relação entre o aprendizado do xadrez e da matemática. Como critérios de observação para a coleta dos dados, a pesquisadora levou em conta atenção, concentração, observação, análise, síntese e criatividade.
A partir da análise dos dados, Christofoletti (2005) constatou que as crianças participantes do curso apresentaram mudanças de comportamento não só no decorrer do curso, mas em sala de aula. Dentre as mudanças mais significativas, a pesquisadora verificou que essas crianças ficaram mais atentas em sala de aula e passaram a demonstrar mais agilidade na resolução de cálculos. Quanto à capacidade de concentração, a investigadora percebeu que os sujeitos investigados apresentavam-se mais centrados nas atividades e conseguiam ler os enunciados dos problemas, mesmo os mais longos, sem dispersarem-se. Christofoletti (2005) observou, ainda, que, apesar da pouca idade (8 anos) dos enxadristas, as aulas referentes a assuntos abstratos estavam sendo ministradas sem muitas dificuldades.
Em síntese, Christofoletti (2005) pôde constatar, por meio de uma pesquisa exploratória, o que outros pesquisadores já vinham postulando: que a prática do xadrez favorece a construção do conhecimento matemático. Mediante essa análise, podemos fazer ratificar a importância da prática do xadrez no meio educacional como elemento coadjuvante eficaz para a aprendizagem matemática.
Considerações finais
Sabemos da existência de diversas propostas relativas ao ensino da Matemática numa perspectiva mais dinâmica e participativa, ou, como diria Paulo Freire (1974, apud GADOTTI, 1987), numa perspectiva problematizadora, fundada na relação dialógico-dialética entre educador e educando. Neste artigo, centramo-nos na relação entre o jogo de xadrez e o ensino da Matemática.
A partir do estudo de uma pesquisa realizada por Christofoletti (2005), pudemos comprovar que há uma estreita relação entre a aprendizagem do jogo de xadrez e da matemática, uma vez que esse jogo viabiliza o desenvolvimento de habilidades – concentração, atenção, análise e síntese, dentre outras – que promovem a construção do conhecimento matemático.
Dessa forma, entendemos ser necessário que a Escola reveja a concepção de ensino da Matemática e proponha, dentre outras inovações metodológicas, a inserção do jogo de xadrez como meio de facilitar a aprendizagem dessa ciência tão importante para a compreensão do mundo.